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CONGRESSO INTERNACIONAL
UFSC - FLORIANÓPOLIS - 13 A 17 DE MAIO DE 2024

Tout se passait comme si l’esprit parvenu à cette charnière de l’inconscient avait perdu le pouvoir de reconnaître où il versait. En lui subsistaient des images qui prenaient corps, elles devenaient matière de réalité. Elles s’exprimaient suivant ce rapport, dans une forme sensible. Elles revêtaient ainsi les caractères d’hallucinations visuelles, auditives, tactiles. Nous éprouvions toute la force des images. Nous avions perdu le pouvoir de les manier. Nous étions devenus leur domaine, leur monture.

Aragon, Une vague de rêves, 1924

Apresentação

Há cem anos, em 1924, um grupo de artistas vanguardistas, traumatizados pelos horrores da Primeira Guerra e contrários à entrada da França na Guerra do Rife, reunia-se na Central Surrealista em Paris, o então inaugurado Escritório de Pesquisas Surrealistas. Nas ruas da cidade, frases como “Se você ama o amor, amará o surrealismo”; “Pais, contem os seus sonhos às crianças”; “Vocês, que possuem chumbo na cabeça, derretam-no para fabricar o ouro surrealista” anunciavam o endereço da Central, no número 15 da Rue de Grenelle. A publicação do Manifesto do Surrealismo de André Breton e de Uma onda de sonhos de Louis Aragon davam a conhecer os anseios do grupo. O surrealismo se anunciava com a aventura da escrita automática de Les Champs Magnétiques realizada por Philippe Soupault e Breton em 1919, e nas experiencias com o sono e o sonho propostas por René Crevel e Robert Desnos em 1922. Alucinar as formas era uma experiência análoga ao automatismo: “Há um homem cortado em dois pela janela”, escreve Breton em 1924, mergulhado em um estado de plena solidão, entre o sono e a vigília.

Os surrealistas propuseram uma nova relação com as coisas da qual participam o acaso, a ilusão, o fantástico e o sonho. Contemplaram a loucura pulsional e a experiência atordoante daqueles que sobreviveram às trincheiras, abrigaram-se no maravilhoso, refugiaram-se no gozo. Porém, conforme Jacqueline Chénieux-Gendron escreveu no catálogo da exposição L’invention du surréalisme, realizada pela Bibliothèque Nationale de France em 2019, o irromper do irracional leva os artistas do grupo a uma apreensão conceitual quase que imediata do mundo, e à busca, a todo custo, de um sentido para essas experiências.[1] Assim, se o automatismo surrealista compõe um movimento que induz à vertigem – preencher rapidamente o papel sem intenção comunicativa –, ele também revelaria conflitos da psiquê humana, que deveriam ser elaborados analiticamente, de maneira similar ao funcionamento dos mitos para Freud. Escrita ao passo que elaboração automática, Les Champs Magnétiques seria um romance de montagem, cujos capítulos seriam testemunhos de uma exploração do espírito em seus ritmos e profundezas diversas.[2] 

Diferentes dos futuristas, que ambicionaram a criação de uma máquina ainda mais eficiente, ou dos dadaístas que propuseram começar do zero, os surrealistas foram os primeiros a manifestarem a obsolescência do simbólico. A ambição revolucionária do movimento (“Transformar a sociedade e mudar o homem”) surge de um movimento anacrônico: a potência da comunidade reside nas energias de um mundo cujo acesso se dá por meio de escombros. Tema caro a Walter Benjamin, que logo percebeu que as obras desse círculo extrapolavam o campo literário: “manifestação, palavra, documento, bluff, falsificação se se quiser, tudo menos literatura”, “são experiências que estão aqui em jogo”.[3] A experiência surrealista, análoga ao “maravilhoso”, conforme Breton o descreveu no Manifesto (“uma classe de revelação geral, de que só nos chega o detalhe”), se manifestaria, segundo Benjamin, por meio de uma iluminação profana, de cunho materialista e antropológica.[4]    

Para Chénieux-Gendron, o surrealismo propõe um sistema de pensar que se realiza na língua (“para os surrealistas, se eu penso, é na língua”). Os jogos, a colagem e manipulação de sintagmas encontrados ou dados dos surrealistas teriam contribuído para a noção de bricolagem no pensamento mágico dos povos originários, com a qual Lévi-Strauss elaborou a ideia de pensamento selvagem – provavelmente devido a seu convívio com Breton, durante a viagem de barco que os levaria ao exílio. No entanto, se o surrealismo fala de uma certa origem poética do mundo, ela não poderia ser tomada pelo que teria sido, mas pelo que se tornou, ou seja, um valor colocado a priori – o mais sincrético possível, que para nós teria o efeito de uma referência.[5]   

Mais recentemente, em O Humanismo Alterado, Georges Didi-Huberman afirmou que Michel Foucault, como Lévi-Strauss, escreveu à maneira ocidental de construir uma ciência do concreto em direção à prosa do mundo. Mas Foucault, contrariamente a Lévi-Strauss, que não acreditava em retornar à imagem e à imaginação, teria concluído sua História da Loucura com pensamentos selvagens, mas não conformes, como os de Sade, de Goya, de Nietzsche, de Van Gogh. Teria projetado As Palavras e as Coisas em direção às escrituras singulares de Mallarmé, Bataille e Blanchot. Para Foucault, assim como para os surrealistas, tratava-se de valorizar pensamentos sublevados segundo modelos de tempos fundidos, a partir das descontinuidades, das falhas e das diferenças.[6]     

Nutrido pelo pensamento freudiano, o surrealismo foi contemporâneo da antropologia e da elaboração das ciências linguísticas, no movimento do que hoje chamamos humanidades. No entanto, os desenvolvimentos dos artistas, escritores e intelectuais ligados ao surrealismo foram capazes de problematizar muitos dos modelos paradigmáticos das ciências humanas e abrir vias diversas de intensificação do mundo contemporâneo, confrontando tempos e abordagens diversos. Mais do que celebrar um século da fundação do grupo surrealista (os artistas do surrealismo eram aversos a qualquer celebração do tipo), o Congresso 100 anos do Surrealismo propõe uma leitura contemporânea, portanto heterotópica e arquifilológica de suas manifestações e convida os participantes a abordar o tema.

 

[1] Se os dadaístas proclamavam o non-sense, os surrealistas exploraram a emergência do sentido, em direção ao não-lugar do pensamento - que, segundo Jacqueline Chénieux-Gendron, seria “a fonte” da linguagem poética. Cf. CHÉNIEUX-GENDRON, Jacqueline. L’invention de l’automatisme, et du rêve comme discours. In: DIU, Isabelle (org); STOLL, Berenice (org); WAGNER, Olivier (org). L’invention du surréalisme. Des Champs Magnétiques à Nadja. Paris, Éditions BNF, 2020. p. 66.

[2] CHÉNIEUX-GENDRON, Jacqueline. L’invention de l’automatisme, et du rêve comme discours. In: DIU, Isabelle (org); STOLL, Berenice (org); WAGNER, Olivier (org). Op. cit. Passim.

[3] BENJAMIN, Walter. O Surrealismo, o último instantâneo da inteligência europeia. Magia e técnica, Arte e política - Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Vol 1. São Paulo: Brasiliense, 1987. p.22-23.

[4] Idem.

[5] CHENIEUX-GÉNDRON, Jacqueline. Op. Cit. p.63-65.

[6] DIDI-HUBERMAN, Georges. L’humanisme altéré. La ressemblance inquiète, I. Paris, Gallimard, 2023.

Chamada para comunicações

Data limite para o envio das propostas de comunicação: 01 de março de 2024

Notificação de aceite: 01 de abril de 2024

O título da comunicação e um resumo de 15 a 20 linhas (aprox. 1500 caracteres) acompanhados de um mini currículo (5 linhas) do proponente com sua formação e filiação acadêmica devem ser enviados ao e-mail: surrealismo100anos@gmail.com

As comunicações terão duração de 10 a 15 minutos cada, serão apresentadas online por videoconferência e transmitidas na Universidade Federal de Santa Catarina.

Serão aceitas comunicações em português, espanhol e francês, mas a língua oficial do Congresso será o português.

As propostas de comunicações poderão explorar os seguintes eixos temáticos: 1. Surrealismo e vanguardas artísticas; 2. Surrealismo e modernidade; 3. Surrealismo e guerra; 4. Surrealismo e América Latina; 5. A dissidência surrealista e o tema da comunidade; 6. Surrealismo, humanidades e contemporaneidade.

Apoio

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Créditos

Texto e Concepção

Raul Antelo (professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina) e Bianca Tomaselli (pesquisadora pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq)

Apoio

Núcleo de Estudos Benjaminianos do Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina

Comissão Organizadora

Raul Antelo (professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina), Susana Scramim (professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina), Artur de Vargas Giorgi (professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenador da Graduação em Letras), Tiago Pinheiro (professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, vice coordenador da Pós-graduação em Literatura e coordenador do Núcleo de Estudos Benjaminiano), Bianca Tomaselli (pesquisadora pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina/ CNPq), Joaquín Correa (pesquisador doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina), Leonardo D’Avila (pesquisador com estágio pós-doutorado na Universidade de Buenos Aires/ CAPES), André Piazera Zacchi (pesquisador doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Felipe Guimarães Soares (professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina)

Comissão Científica

Raul Antelo (Universidade Federal de Santa Catarina), Susana Scramim (Universidade Federal de Santa Catarina), Felipe Scovino (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Eduardo Becerra Grande (Universidad Autónoma de Madrid), Eva Valcárcel (Universidade da Coruña), Emmanuel Siety (Université Sorbonne Nouvelle), Ana Gallego Cuiñas (Universidad de Granada), Gabriel Cabello (Universidad de Granada)

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